sábado, 4 de setembro de 2010

Ela não machucaria nem mesmo uma mosca…

É, eu tinha prometido A Noviça Rebelde. Mas ver a edição especial de um filme de Alfred Hitchcock (ou, aliás, me perdoem, do filme de Alfred Hitchcock) descansando na prateleira de uma locadora e não agarrá-la com todas as forças não parecia o comportamento certo para um cinéfilo. E eis que me vejo observando os quadros em preto-e-branco do clássico Psicose, o filme que firmou o diretor inglês no trono de “grande mestre do suspense” de todos os tempos. Não vou dizer que o filme não envelheceu, que pasou incólume pelo tempo como um ou outro clássico que assisti nessa jornada pelos 1001 filmes, mas seu choque e sua força psicológica continuam frescos, palpáveis para o público atual.

Para começar, é estranho perceber como as imagens de Psicose estão, hoje, mais no inconsciente coletivo popular do que a própria trama do filme. Poucos sabem, por exemplo, que a célebre (com méritos) cena do chuveiro ocorre perto da metade da projeção, matando a protagonista do filme até então e deixando meio mundo com a boca aberta em 1960. Era um golpe de mestre levar o espectador a se envolver por Marion (Janet Leigh), conhecendo seus anseios e paixões, sua motivação para roubar 40,000 dólares e ir parar em um motel de beira de estrada. E era também um recurso para explorar o lado humano de um filme que discursa com eloqüência sobre culpa, fantasmas e loucura. E que nos faz pensar de onde vêm tantos distúrbios e transtornos de nossa própria mente.

Anthony Perkins está em estado de graça na pele de Norman Bates, e uma belíssima Vera Miles chama a atenção do público masculino como a irmã de Marion, que parte para investigar o sumiço da irmã sem saber que ela foi morta por Bates, vestido como sua velha e falecida mãe. Afora do elenco, Hitchcock realiza um trabalho louvável, com suas tomadas longas compondo um filme nos eixos certos, que pode ter envelhecido um pouco em seu início, mas mantém-se pungente como uma discussão complexa e interessante sobre, mais óbvio impossível, a psicopatia. Do longo diálogo entre Bates e Marion na saleta cheia de pássaros empalhados, passando pela própria cena do chuveiro e fechando com maestria no sorriso ambíguo de Perkins, Hitchcock mostra porque se tornou uma das maiores referências não só do gênero, mas do cinema moderno.

Psicose pode não ter o mesmo choque que provocou em 1960, mas ainda é e sempre será um filme tenso, intenso, empolgante e perturbador, de uma forma muito particular. Absolutamente obrigatório.

no 1001

Psicose (Psycho, EUA, 1960) 109 minutos. Som/P&B.

Direção: Alfred Hitchcock.

Produção: Alfred Hitchcock.

Roteiro: Josef Stefano, baseado no livro Psicose de Robert Bloch.

Fotografia: John L. Russell.

Música: Bernard Hermann.

Elenco: Anthony Perkins, Vera Miles, John Gavin, Martin Balsam, John McIntire, Simon Oakland, Pat Hitchcock, Janet Leigh.

… Claramente, o diretor britânico havia encontrado uma forma de cutucar diretamente a psique coletiva dos norte-americanos. Ao tornar seu monstro um indivíduo aparentemente tão normal, e juntar sexo, loucura e assassinato em uma história sórdida e aterradora, ele praticamente previu as manchetes que apareceriam nos jornais nas década seguintes. O sucesso de Psicose levou a três deploráveis “continuações”, incluindo uma dirigida pelo próprio Perkins e a refilmagem de Gus Van Sant em 1998, que procurava repetir o original quadro-a-quadro, uma experiência com cores que empalidece ao ser comparada com o filme em preto e branco de Hitchcock… (SJS)

Vindo por aí… A Noviça Rebelde (Robert Wise, 1965)

terça-feira, 13 de julho de 2010

There’s no place like home…

Vão-se 71 anos, uma vida inteira, desde que Victor Fleming teve em mãos o clássico da literatura de L. Frank Baum e produziu com ele uma aventura fantástica familiar das mais prazerosas, que mobilizou o público em seu lançamento e tornou-se clássico nas exibições televisivas, vinte anos mais tarde. Visual e conceitualmente impressionante, o trabalho de Fleming continua, hoje, um filme deliciosamente divertido e brilhantemente produzido, com os cenários audaciosamente pintados da MGM brilhando no glorioso Technicolor que toma conta da tela na Terra de Oz.

A verdade é que a arte dos produtores brilha mais do que a de Fleming nesse filme. Com tomadas de puro encantamento e cenários vivamente coloridos dando graça a história, o diretor pouco faz a não ser conduzir seu elenco para uma direção óbvia, enquanto observa a grandiosidade nada tímida de seus sets com orgulho resplandescente. Os rumores hoje praticamente confirmados de que tanto King Vidor quanto George Cukor assumiram a batuta em diferentes momentos do filme mostram que Oz é, fundamentalmente, fruto do trabalho conjunto, o clásico caso de filme que é, exatamente, a soma de suas partes.

A começar pelo roteiro de Noel Langley, Florence Ryerson e Edgar Alan Woolf, todos em seus mais famosos trabalhos no cinema, conferindo ao filme tanto os momentos inocentes e musicais que o marcaram como um clássico infantil quanto algumas pequenas pílulas reflexivas que, sabe-se lá, podiam até estar no livro de Baum. Assim, Oz desfere críticas ferinas a forma como nossa sociedade se importa demais com símbolos e alegorias, a crença cega que muitos têm em torno de alguma entidade onipotente (nada de mensagem anti-cristã aqui, apenas um comentário extremamente oportuno sobre fanatismo e contestação), e estrutura um reino de fantasia que é extraordinariamente parecido com o nosso.

A Terra de Oz é um lugar de imensas maravilhas, por onde andam seres que seguem a vida mesmo não tendo tudo o que querem ou deveriam querer. É um lugar com recônditos sombrios, momentos melancólicos e as vezes até assustadores mas, em geral, um lugar no qual vale a pena viver. Algo familiar? É nesse universo que Dorothy, a adorável garota do Kansas interpretada com garra por uma atemporal Judy Garland, vai parar após o ciclone que quase destrói a propriedade de seus tios. Ela encontra o Espantalho sem cérebro na pele de um brilhante Ray Bolger, o Homem de Lata sem coração feito pelo enérgico Jack Haley (dono de um número de dança divertidíssimo), e o Leão Covarde caricatural de Bert Lahr.

Todos refletem, queiram os espectadores ou não, figuras da vida real de Dorothy, e sua jornada não é menos em busca da própria percepção de lar do que por um retorno para o mesmo. Oz é divertido sim. É um primor de produção, com certeza. Mas, acima de tudo, é uma obra que tem o que dizer e que continua tão resplandescente aos olhos do público quanto era a 71 anos atrás. Enfim, um diamante que, como eles, provou ser eterno.

 

no 1001

O Mágico de Oz (The Wizard of Oz, EUA, 1939) 101 minutos. Som/Technicolor.

Direção: Victor Fleming.

Produção: Mervyn LeRoy, Arthur Freed.

Roteiro: Noel Langley, Florence Ryerson, Edgar Alan Woolf, baseados no livro O Mágico de Oz de L. Frank Baum.

Fotografia: Harold Rosson.

Música: Harold Arlen, E.Y. Harburg, George Bassman, George E. Stoll, Herbert Stothart.

Elenco: Judy Garland, Frank Morgan, Ray Bolger, Bert Lahr, Jack Haley, Billie Burke, Margaret Hamilton.

… Baseado no romance infantil homônimo de L. Frank Baum, escrito no fim do século XIX, este clássico eterno é um dos grandes contos de fada do cinema, sendo também um musical de primeira grandeza e o filme que fez Judy Garland deixar de ser apenas uma talentosa atriz mirim para se transformar em uma estrela atemporal e icônica. Embora não tenha obtido lucros vultuosos quando foi lançado, talvez por ter sido uma produção caríssima, O Mágico de Oz conquistou várias gerações… (Kim Newman)

Vindo por aí… A Noviça Rebelde (Robert Wise, 1965)

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Tudo o que for, seja por inteiro…

Falando-se em Doutor Jivago, o drama épico de 1964, lembra-se logo das paisagens fantásticas, dos cenários gigantescos para a época e da tarefa hercúlea de suportar as três horas e tanto do filme de David Lean. Não deixam de ser verdades, essas. De fato, a fotografia de Freddie Young, premiada com o Oscar, arranca belas imagens das paisagens russas inóspitas que dominam a tela. E, de fato, a dimensão do próprio filme, seja em extensão ou produção, é de impressionar até hoje. Mas, focando-se tanto nisso, esquece-se da maior qualidade que o filme de Lean nos apresenta: tudo o que se propõe a ser, Doutor Jivago é por inteiro, sem concessões ou suavizações.

Romântico, na definição mais pura da palavra, com o sentimento que atravessa todos os pesares entre o personagem-título, o médico-poeta Yuri Jivago, e sua musa Lara. Melodramático, na forma como encena os traumas de infância do protagonista e a virada emocional de Lara no primeiro ato. Épico, ao atravessar do nascimento a morte a vida do personagem-título, seu casamento com a amiga de infância, os filhos e a fuga da miséria na época bolchevista da Revolução Russa, fazendo um retrato histórico amplo de uma época de mudanças extremas. Difícil, no sentido em que são poucos os que entendem e apreciam esse tipo de extrapolação. E destemido, sem receio algum de envelhecer como envelheceu aos olhos da platéia moderna. E, ainda assim, continua um instantâneo encantador para quem observa com olhos pacientes e sensíveis o bastante.

Para começar, o cinema de David Lean é daqueles que lança mão de todos os recursos possíveis para quebrar a frieza naturalmente existente entre o espectador e o que ocorre na tela. Seu trabalho é competente e, em muitos sentidos, sutilmente transgressor, mas seria injustiça creditar Doutor Jivago a apenas um gênio. Omar Sharif é pura empatia no papel principal, fazendo contra-ponto a uma líndissima Julie Christie e enchendo cada frame em que está presente com a vitalidade de um ator jovem e indiscutivelmente talentoso. Christie, por si, engata aos poucos em uma atuação que convence, mas não impressionaria se não fosse pelos belos olhos azuis que exibe. E a coajuvância está por conta de Rod Steiger, absolutamente fantástico na pele do proverbial “vilão” do filme. Se é que se pode chamá-lo assim, tamanho é seu carisma em tela.

E Lean ainda conta, para matar qualquer tipo de crítica, com a música de Maurice Jarre, um dos mais talentosos compositores de cinema de toda a história. Esse sim, completa a máxima do filme. Por causa dele, acima de tudo, que somos convencidos a chamar Doutor Jivago de brilhante… por inteiro.

no 1001

Doutor Jivago (Doctor Zhivago, EUA, 1964) 197 minutos. Som/ Metrocolor.

Direção: David Lean.

Produção: Arvid Griffe, David Lean, Carlo Ponti.

Roteiro: Robert Bolt, baseado no livro Doctor Zhivago de Boris Pasternak.

Fotografia: Freddie Young.

Música: Maurice Jarre.

Elenco: Omar Sharif, Julie Christie, Geraldine Chaplin, Rod Steiger, Alec Guiness, Tom Couternay, Klaus Kinski.

… Embora seja uma tocante história de amor com Christie e Sharif encarnando com competência o casal infeliz, Doutor Jivago é talvez mais lembrado por suas seqüências magníficas: o ataque de cossacos armados com espadas contra um grupo de manifestantes, a viagem de trem interminável, através do país, suportada pela família Jivago, a paisagem de inverno que Jivago precisa enfrentar para se reencontrar com Lara em uma mansão de campo abandonada… (R. Barton Palmer)

Vindo por aí… O Mágico de Oz (Victor Fleming, 1939)      

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Férias! @-@

Ok, eu admito. Como blog com um objetivo obviamente hercúleo, o Um Vs 1001 começou muito devagar. Em dois meses de viagem pelo milhar mais um de cinema que o livro coordenado por Seteve Jay Schneider propõe, apenas quatro posts. Mas, acreditem, não foi preguiça nem falta de vontade de escrever: foi falta de tempo, e para VER os filmes.

Provas, trabalhos, compromissos, o outro blog, novos projetos… Enfim, tudo parecia conspirar para que eu conseguisse ver muito pouco do que eu realmente desejava. As buscas na internet, então, necessárias para conseguir os filmes mais antigos listados, foram mínima e infrutíferas. Mas o verdadeiro homem sempre se redime. Especialmente quando entra em férias!

E aguardem, porque a partir de quarta-feira, meu tempo será quase que exclusivamente dedicado a esse projeto, sempre com o Anagrama, o blog onde falo de cinema, mas também de música e publico meus textos de ficção, no mesmo plano. De qualquer forma, com a natural e deliciosa “falta-do-que-fazer” das férias, não faltará tempo para ver filmes, escrever sobre filmes, discutir filmes.

E, espero, também não vai faltar tempo para vocês comentarem em tudo isso. O blog é feito para vocês, e em certa medida por vocês! Sugestões, críticas, elogios, tudo será aceito no melhor dos espíritos da aceitação humana. Afinal, é para isso que serve o cinema. E, quem sabe, nesses 30 dias não queimamos, pelo menos, uns 15 filmes da lista?

Boa sorte, boas férias, e bons filmes!

AGUARDEM

E o primeiro da lista é esse mesmo aí em baixo… em breve, muito em breve…

domingo, 9 de maio de 2010

Tudo depende do ponto de vista…

Fazia muito tempo, tempo demais, que eu não me arriscava em um dos 1001 filmes indicados pelo livro que ganhei em Março. E foi meio sem querer que resolvi assistir Desejo e Reparação, o último dos listados por Steven Jay Schneider e compania. Uma reserva furada na locadora me conduziu a esse que foi um dos grandes momentos do cinema em 2007, perdendo para Onde os Fracos Não Têm Vez o Oscar de Melhor Filme, mas levando quase tudo no Globo de Ouro. Como sempre quando se trata de cinema, valeu a pena arriscar.

Desejo e Reparação é uma peça vibrante de cinema calculado com cuidado, com a câmera talentosa do diretor Joe Wright brincando com os estigmas do drama de época inglês e injetando uma visão moderna, vívida e enérgica a narrativa inteligente, retirada com maestria do best-seller de Ian McEwan. O trabalho do roteirista Christopher Hampton é mesmo louvável, mas não dá para negar que são os temas de McEwan, a forma como ele trata da distorção da realidade em ficção e da maneira como um ponto de vista pode acabar julgando mal um acontecimento, que encanta no filme tanto quanto o fez na literatura.

Isso sem contar que o filme tem um elenco fantástico. Keira Knightley e James McAvoy mostram-se intérpretes de magnetismo impressionante como Cecilia e Robbie, apaixonados de classes sociais diferentes na Ingleterra do pré-Guerra. Ele, filho da empregada e jardineiro da família. Ela, uma lady moderna, independente e cínica. O amor verdadeiro entre os dois é mal-interpretado por Brionny (Saoirse Ronan), irmã de Cecilia, que usa sua imaginação de escritora iniciante para inventar uma mentira que acaba levando Robbie para a prisão. Com a arma poderosa do tempo nas mãos, McEwan (e Hampton, por tabela), brincam com os destinos dos personagens, constróem cenários magníficos e ainda encontram tempo para nos apresentar uma virada final emocionante e desvastadora.

Brionny, por sí própria, é uma personagem fantástica, tanto que é tão impossível não sentir por ela quanto pelo casal apaixonado. Das três atrizes que a interpretam pela passagem do tempo, a única sem muito destaque é a desconhecida Romola Garai, dona do papel quando Brionny tem por volta dos 20 anos. Antes dela, uma surpreendente Saoirse Ronan encarna uma garota mimada de olhos intensos e atitudes insondáveis com desenvoltura de gente grante. E, por último, a gigantesca Vanessa Redgrave fecha o filme com o sentimentalismo e a vulnerabilidade de uma personagem arrependida sem meios de consertar seus erros.

É triste, sim, mas não dá para negar que é genial.

no 1001

Desejo e Reparação (Atonement, Grã-Bretanha/França, 2007) 130 minutos. Som/Cor.

Direção: Joe Wright.

Produção: Tim Bevan, Eric Fellner, Paul Webster.

Roteiro: Christopher Hampton, baseado no livro Atonement de Ian McEwan.

Fotografia: Seamus McGarvey.

Música: Dario Marinelli.

Elenco: Keira Knightley, James McAvoy, Romola Garai, Brenda Blethyn, Vanessa Redgrave, Saoirse Ronan.

… Ao considerar o drama de época britânico, saiba que ao introduzir uma linguagem cuidadosamente burilada e uma interação entre representantes de direfentes classes sociais está fundada a base para muitos filmes produzidos na ilha. Desejo e Reparação, de Joe Wright, expande essa forma para incluir um retrato memorável do amor romântico, embora com uma virada final… (Garret Chafin-Quiray)

sexta-feira, 26 de março de 2010

Preparem seus revólveres…

Pode ser que em terras americanas a adoração seja maior, mas não há bom cinéfilo que resista a um faroeste. O gênero, que tem passado por revisões recentemente em Hollywood, nasceu quase ao lado do cinema narrativo, em 1903. Marco inicial nessa história, O Grande Roubo do Trem não tem o charme de um Viagem à Lua, que envelheceu muito melhor, mas mostra sua importância pungente para o desenvolvimento da narrativa cinematográfica.

Composto por mais de uma dúzia de unidades dramáticas e contando a história já explicada no título, não há nada de surpreendente na moral corretíssima e no âmbito técnico do filme de Edwin S. Porter. Ainda assim, quem se arriscar pode observar uma das primeiras cenas de dança da história do cinema, o domínio narrativo pioneiro do diretor Porter e uma das marcas mais duradouras e homenageadas do cinema mudo: a intensa dramaticidade dos acontecimentos, encenados com alarde e teatralidade.

Ah, e não é a toa que o take em que um dos assaltantes atira diretamente na tela entrou para história: eis um recurso de diálogo e interatividade inédito na época e, lamentavelmente, ainda pouco usado até hoje. Naqueles tempos do teatro, “quebar a quarta parede” não era um tabu tão grande quanto é (injustamente) hoje.

no 1001

O Grande Roubo de Trem (The Great Train Robbery, EUA, 1903) 12 min. Mudo P&B (colorizado à mão).

Direção: Edwain S. Porter.

Roteiro: Scott Marble, Edwin S. Porter.

Fotografia: Edwin S. Porter, Blair Smith.

Elenco: A.C. Abadie, Gilbert M. “Bronco Billy” Anderson, George Barnes, Walter Cameron, Frank Hanaway, Morgan Jones, Tom London, Marie Murray, Mary Snow.

… Existe um plano extra, o mais conhecido do filme, mostrando um dos ladrões atirando diretamente na tela. Ao que parece, esse plano algumas vezes era mostrado no começo da película e outras, no fim. De qualquer forma, dava ao espectador a impressão de estar bem na linha de fogo… (Edward Buscombe)

terça-feira, 23 de março de 2010

O pop não poupa ninguém…

Um restaurante enorme, lotado, com pôsteres de filmes cult e clássicos espalhados por todas as paredes, serve milkshakes de cinco dólares nomeados em homenagem a lendária dupla Dean Martin e Jerry Lewis, recebendo seus clientes com garçonetes vestidas de Marilyn Monroe, que andam pelas mesas como se fosse a coisa mais natural do mundo. A descrição inesperada poderia ser desconcertante, se não estivesse sobre o olhar soberbamente natural da câmera de Quentin Tarantino, muito mais livre nesse Pulp Fiction, sua obra revolucionária de 1994, do que em suas investidas mais recentes.

Tarantino faz do pop uma extensão natural do nosso cotidiano, filmando absurdos com um senso de acaso fantástico, colocando atores simbólicos em personagens tão irreais quanto críveis na estrutura e no universo próprio que o diretor criou para suas obras. Aqui, ele abusa da violência para contar as histórias entrelaçadas de Vincent Vega (John Travolta), um gângster meio destrambelhado que se mete em uma confusão das boas ao lado do parceiro mais filosófico, Jules Winnfield (Sam Jackson), e de Butch Coolidge (Bruce Willis), boxeador em fim de carreira que não cumpre uma ordem do chefão Marsellus Wallace (Ving Rhames) e tenta escapar com vida da perseguição resultante.

Com essas e outras histórias coalhadas de violência e abusando do tema “drogados, corruptos e desencaminhados”, o diretor realiza uma de suas primeiras proezas cinematográficas, conferindo novo frescor e credibilidade ao cinema independente americano, ressucitando astros (não dá para imaginar ninguém além de Travolta como Vega) e ainda achando tempo para dar profundidade aos personagens que mistura de forma tão saborosa (o monólogo final do personagem de Sam Jackson é de arrepiar).

Pulp Fiction é divertido, chocante e não abre concessões. Mas, acima de tudo, é entretenimento de primeira, como só Tarantino sabe fazer.

no 1001

Pulp Fiction – Tempos de Violência (Pulp Fiction, EUA, 1994) 154 minutos. Som/Cor.

Direção: Quentin Tarantino.

Produção: Lawrence Bender.

Roteiro: Quentin Tarantino, Roger Avary.

Fotografia: Andrzej Sekula.

Elenco: Tim Roth, Amanda Plummer, John Travolta, Samuel L. Jackson, Frank Whaley, Burr Steers, Bruce Willis, Ving Rhames, Rosanna Arquette, Eric Stoltz, Uma Thurman, Harvey Keitel, Maria de Medeiros, Christopher Walken, Steve Buscemi, Quentin Tarantino.

… Apenas ocasionalmente – como no episódio pesado e feio no porão, e em algumas cenas românticas anêmicas – Tarantino parece estar fazendo força, embora mesmo aqui seu projeto global fique evidente: expulsar a vida real e as pessoas reais de uma vez só e para sempre do filme de arte e substituí-las por provocações genéricas e homenagens variadas, imbuídas de estilo e atitude, construindo um verdadeirmo monumento ao conhecimento cinematográfico presumido do espectador… (Jonathan Rosenbaum)

sexta-feira, 19 de março de 2010

E assim começa o cinema…

1902. O cinema ainda engatinhava com os curtas dos Irmãos Lumiére, reconhecidamente os pais da sétima arte, quando um ex-mágico fez suas próprias regras, ralizando um filme ao qual podem ser atribuídos muitos títulos de “primeiro”. Para começar, é o pioneiro da ficção científica, baseando-se em um livro de Júlio Verne para tirar de sua literatura pop as referências e visuais que são padrões até hoje na realização do cinema. Mais ainda, é a narrativa mais complexa de sua época, contando com um número surpreendente de unidades dramáticas e realizando uma encenação teatrak que não precisa abandonar as possibilidades de uma arte como o cinema para sê-lo.

Como ex-ator de teatro, Meliés abusa da linguagem dos palcos. Como ex-mágico, estabelece os primeiros truques de continuidade e efeitos especiais da história do cinema. E, por fim, como cineasta, demonstra uma notável capacidade de organização de linguagem e encenação, realizando um caos controlado que, daí em diante, passou a ser rotina nos cinemas.

Deliciosamente surreal, a história envolve um grupo de cientistas realizando uma viagem ao satélite natural da Terra, encontrando por lá os mais estranhos fenômenos e tendo que fugir de uma população nativa e selvagem. A marca de Verne é impressa tanto quanto a de Meliés, fazendo dos oito minutos do filme uma experiência divertida, reveladora e, em alguns momentos, até tocante. É a primeira demonstração de que clássicos precisam ser, mesmo, eternos.

Porque se, como revolução, Viagem a Lua será eterno, como cinema, o filme envelheceu bem melhor do que se esperava.

no 1001

Viagem a Lua (Voyage dans la Lune, França, 1902) 14 min. Mudo P&B.

Direção: George Meliès.

Produção: George Meliès.

Roteiro: George Meliès, baseado no livro Viagem a Lua de Julio Verne.

Fotografia: Michaut, Lucien Tainguy.

Elenco: Victor André, Bleuette Bernon, Brunnet, Jean D’Alcy, Henri Délannoy, Depierre, Farjaut, Kelm, George Meliès.

… Aqui, Meliès cria um filme que merece lugar de destaque entre os ícones da história do cinema mundial. Apesar do estilo surreal, Viagem à Lua é divertido e inovador, conseguindo combinar os truques do teatro com as infinitas possibilidades do cinema… (Chiara Ferrari)