terça-feira, 13 de julho de 2010

There’s no place like home…

Vão-se 71 anos, uma vida inteira, desde que Victor Fleming teve em mãos o clássico da literatura de L. Frank Baum e produziu com ele uma aventura fantástica familiar das mais prazerosas, que mobilizou o público em seu lançamento e tornou-se clássico nas exibições televisivas, vinte anos mais tarde. Visual e conceitualmente impressionante, o trabalho de Fleming continua, hoje, um filme deliciosamente divertido e brilhantemente produzido, com os cenários audaciosamente pintados da MGM brilhando no glorioso Technicolor que toma conta da tela na Terra de Oz.

A verdade é que a arte dos produtores brilha mais do que a de Fleming nesse filme. Com tomadas de puro encantamento e cenários vivamente coloridos dando graça a história, o diretor pouco faz a não ser conduzir seu elenco para uma direção óbvia, enquanto observa a grandiosidade nada tímida de seus sets com orgulho resplandescente. Os rumores hoje praticamente confirmados de que tanto King Vidor quanto George Cukor assumiram a batuta em diferentes momentos do filme mostram que Oz é, fundamentalmente, fruto do trabalho conjunto, o clásico caso de filme que é, exatamente, a soma de suas partes.

A começar pelo roteiro de Noel Langley, Florence Ryerson e Edgar Alan Woolf, todos em seus mais famosos trabalhos no cinema, conferindo ao filme tanto os momentos inocentes e musicais que o marcaram como um clássico infantil quanto algumas pequenas pílulas reflexivas que, sabe-se lá, podiam até estar no livro de Baum. Assim, Oz desfere críticas ferinas a forma como nossa sociedade se importa demais com símbolos e alegorias, a crença cega que muitos têm em torno de alguma entidade onipotente (nada de mensagem anti-cristã aqui, apenas um comentário extremamente oportuno sobre fanatismo e contestação), e estrutura um reino de fantasia que é extraordinariamente parecido com o nosso.

A Terra de Oz é um lugar de imensas maravilhas, por onde andam seres que seguem a vida mesmo não tendo tudo o que querem ou deveriam querer. É um lugar com recônditos sombrios, momentos melancólicos e as vezes até assustadores mas, em geral, um lugar no qual vale a pena viver. Algo familiar? É nesse universo que Dorothy, a adorável garota do Kansas interpretada com garra por uma atemporal Judy Garland, vai parar após o ciclone que quase destrói a propriedade de seus tios. Ela encontra o Espantalho sem cérebro na pele de um brilhante Ray Bolger, o Homem de Lata sem coração feito pelo enérgico Jack Haley (dono de um número de dança divertidíssimo), e o Leão Covarde caricatural de Bert Lahr.

Todos refletem, queiram os espectadores ou não, figuras da vida real de Dorothy, e sua jornada não é menos em busca da própria percepção de lar do que por um retorno para o mesmo. Oz é divertido sim. É um primor de produção, com certeza. Mas, acima de tudo, é uma obra que tem o que dizer e que continua tão resplandescente aos olhos do público quanto era a 71 anos atrás. Enfim, um diamante que, como eles, provou ser eterno.

 

no 1001

O Mágico de Oz (The Wizard of Oz, EUA, 1939) 101 minutos. Som/Technicolor.

Direção: Victor Fleming.

Produção: Mervyn LeRoy, Arthur Freed.

Roteiro: Noel Langley, Florence Ryerson, Edgar Alan Woolf, baseados no livro O Mágico de Oz de L. Frank Baum.

Fotografia: Harold Rosson.

Música: Harold Arlen, E.Y. Harburg, George Bassman, George E. Stoll, Herbert Stothart.

Elenco: Judy Garland, Frank Morgan, Ray Bolger, Bert Lahr, Jack Haley, Billie Burke, Margaret Hamilton.

… Baseado no romance infantil homônimo de L. Frank Baum, escrito no fim do século XIX, este clássico eterno é um dos grandes contos de fada do cinema, sendo também um musical de primeira grandeza e o filme que fez Judy Garland deixar de ser apenas uma talentosa atriz mirim para se transformar em uma estrela atemporal e icônica. Embora não tenha obtido lucros vultuosos quando foi lançado, talvez por ter sido uma produção caríssima, O Mágico de Oz conquistou várias gerações… (Kim Newman)

Vindo por aí… A Noviça Rebelde (Robert Wise, 1965)

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Tudo o que for, seja por inteiro…

Falando-se em Doutor Jivago, o drama épico de 1964, lembra-se logo das paisagens fantásticas, dos cenários gigantescos para a época e da tarefa hercúlea de suportar as três horas e tanto do filme de David Lean. Não deixam de ser verdades, essas. De fato, a fotografia de Freddie Young, premiada com o Oscar, arranca belas imagens das paisagens russas inóspitas que dominam a tela. E, de fato, a dimensão do próprio filme, seja em extensão ou produção, é de impressionar até hoje. Mas, focando-se tanto nisso, esquece-se da maior qualidade que o filme de Lean nos apresenta: tudo o que se propõe a ser, Doutor Jivago é por inteiro, sem concessões ou suavizações.

Romântico, na definição mais pura da palavra, com o sentimento que atravessa todos os pesares entre o personagem-título, o médico-poeta Yuri Jivago, e sua musa Lara. Melodramático, na forma como encena os traumas de infância do protagonista e a virada emocional de Lara no primeiro ato. Épico, ao atravessar do nascimento a morte a vida do personagem-título, seu casamento com a amiga de infância, os filhos e a fuga da miséria na época bolchevista da Revolução Russa, fazendo um retrato histórico amplo de uma época de mudanças extremas. Difícil, no sentido em que são poucos os que entendem e apreciam esse tipo de extrapolação. E destemido, sem receio algum de envelhecer como envelheceu aos olhos da platéia moderna. E, ainda assim, continua um instantâneo encantador para quem observa com olhos pacientes e sensíveis o bastante.

Para começar, o cinema de David Lean é daqueles que lança mão de todos os recursos possíveis para quebrar a frieza naturalmente existente entre o espectador e o que ocorre na tela. Seu trabalho é competente e, em muitos sentidos, sutilmente transgressor, mas seria injustiça creditar Doutor Jivago a apenas um gênio. Omar Sharif é pura empatia no papel principal, fazendo contra-ponto a uma líndissima Julie Christie e enchendo cada frame em que está presente com a vitalidade de um ator jovem e indiscutivelmente talentoso. Christie, por si, engata aos poucos em uma atuação que convence, mas não impressionaria se não fosse pelos belos olhos azuis que exibe. E a coajuvância está por conta de Rod Steiger, absolutamente fantástico na pele do proverbial “vilão” do filme. Se é que se pode chamá-lo assim, tamanho é seu carisma em tela.

E Lean ainda conta, para matar qualquer tipo de crítica, com a música de Maurice Jarre, um dos mais talentosos compositores de cinema de toda a história. Esse sim, completa a máxima do filme. Por causa dele, acima de tudo, que somos convencidos a chamar Doutor Jivago de brilhante… por inteiro.

no 1001

Doutor Jivago (Doctor Zhivago, EUA, 1964) 197 minutos. Som/ Metrocolor.

Direção: David Lean.

Produção: Arvid Griffe, David Lean, Carlo Ponti.

Roteiro: Robert Bolt, baseado no livro Doctor Zhivago de Boris Pasternak.

Fotografia: Freddie Young.

Música: Maurice Jarre.

Elenco: Omar Sharif, Julie Christie, Geraldine Chaplin, Rod Steiger, Alec Guiness, Tom Couternay, Klaus Kinski.

… Embora seja uma tocante história de amor com Christie e Sharif encarnando com competência o casal infeliz, Doutor Jivago é talvez mais lembrado por suas seqüências magníficas: o ataque de cossacos armados com espadas contra um grupo de manifestantes, a viagem de trem interminável, através do país, suportada pela família Jivago, a paisagem de inverno que Jivago precisa enfrentar para se reencontrar com Lara em uma mansão de campo abandonada… (R. Barton Palmer)

Vindo por aí… O Mágico de Oz (Victor Fleming, 1939)