segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A vida é muito curta…

1986. A América, no cinema, olhava para as feridas de uma geração muito traumatizada pela Guerra do Vietnã sob a ótica de Oliver Stone em seu cruel Platoon. Enquanto isso, Rob Reiner deixava a mostra a parte mais “humana” de Stephen King no comovente e atemporal Conta Comigo. Mas nem Stone nem Reiner conseguiram chegar tão fundo na alma do público jovem quanto John Hughes. E Curtindo a Vida Adoidado tem a qualidade de ser, entre os filmes do diretor, aquele que retrata sua época com a mesma eficiência com a qual consegue se tornar um tomo de motivos e emoções simplesmente eternos.

A história é de Ferris Bueller (Matthew Broderick), um garoto popular que decide matar aula e recruta a namorada Sloane (Mia Sara) e o melhor amigo Cameron (Alan Ruck) para fazer tudo o que muita gente passa a vida sem ter coragem ou tempo para fazer. Mas Curtindo a Vida Adoidado não é um filme sobre um adolescente se divertindo, é sobre não ter medo, sobre tomar o próprio partido mesmo quando se fez algo errado, sobre não se deixar humilhar. Sobre se divertir, e como a diversão é capaz de fazer-nos esquecer dos problemas.

E, acima de tudo, e mesmo que não termine com o final feliz mais normal do mundo, Curtindo a Vida Adoidado é um feel-good-movie dos mais eficientes. A câmera leve, acertada de John Hughes imprime diversão e catarse ao mesmo tempo em cada fotograma, o roteiro sem ambições não é injusto com personagem algum, e amarra as pontas com maestria, fechando o arco de cada persona que constrói de forma satisfatória. E o elenco é uma nota a parte.

A começar por Matthew Broderick, que inexplicavelmente viu sua estrela se apagar nos últimos anos, mas que se apresenta em seu auge aqui. Auge do carisma de astro, auge da performance relaxada que tanto agrada em seu momento-maior, a célebre execução de “Twist and Shout” no desfile de carros alegóricos. Alan Ruck, por sua vez, constrói um Cameron complexo e envolvente, talvez o centro nervoso do que Hughes tem a dizer com seu filme.

Porque, sim, Curtindo a Vida Adoidado é uma obra-prima com mensagem, não importa o que digam. É um filme que te manterá divertido por quase duas horas, e você vai ter arrepios de emoção em alguns momentos, mas também se pode aprender um pouco com Ferris, se você realmente quiser. Porque a vida é, mesmo, muito curta.

no 1001

Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off, EUA, 1986) 102 minutos. Som/Metrocolor.

Direção: John Hughes.

Produção: John Hughes, Tom Jacobson.

Roteiro: John Hughes.

Fotografia: Tak Fujimoto.

Música: Ira Newborn.

Elenco: Matthew Broderick, Alan Ruck, Mia Sara, Jeffrey Jones, Jennifer Grey, Cindy Pickett, Edie McClurg, Charlie Sheen.

… Os adultos são meros figurantes, pois o filme é realmente do elenco de apoio: Ruck (que tinha 30 anos de idade quando fez o papel de Cameron), Jennifer Grey (como a irmã de Ferris, farta da popularidade do irmão), Mia Sara (como Sloane, a namorada de Ferris). Mas, acima de tudo, Matthew Broderick rouba a cena no papel do adorável e exuberante personagem principal… (Joanna Berry)